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economia compartilhada no aluguel de casacos

Na minha juventude, os desejos de consumo eram invariavelmente parecidos: um emprego estável, família, uma casa ampla e bem localizada, um carro do ano e, se possível, uma casa de veraneio próximo a algum lugar bacana – praia ou montanha, quem sabe. O verbo que regia a minha geração – e possivelmente as anteriores – era um só: todos desejávamos ter.

A regência no passado é proposital. Embora isso tudo siga sendo os valores que orientam a vida de muita gente ainda hoje, em um mundo VUCA às voltas com a Revolução Digital, possuir algo já não tem lá tanta importância. O essencial, para a maioria, é usufruir. É a era da Economia Compartilhada – e, sim, mesmo sem perceber, todos nós já estamos imersos nela.

Explico. Imagine o seguinte cotidiano: você acorda, escuta um podcast no Spotify enquanto se arruma para fazer uma atividade física, retira em uma estação uma bicicleta para se exercitar, percebe que passou um pouco do seu horário e pede um Uber para voltar para casa. Planeja suas férias olhando os imóveis disponíveis no AirBnb, pensa que pode alugar um barco para passear essa vez ou fazer uma tour com um morador local. Para compor o visual, busca novos modelos de casacos no iClooset, um guarda-roupa compartilhado. E, para relaxar, assiste então um novo episódio de sua série preferida na Netflix.

Esse cotidiano é muito diferente do seu, soa futurista? Não? Sim, é isso mesmo. Todas essas alternativas são parte do que se chama de economia compartilhada, um novo modelo econômico baseado no consumo colaborativo e atividades de compartilhamento, troca e aluguel de bens. Ou seja, em experiências e não em posse.

Compartilhamento

Iniciativas como trocas, aluguéis e compartilhamento de bens e serviços já existem há milhares de anos. Mas foi em 2008, após a crise mundial, que a ideia de compartilhamento intensificada pelas plataformas digitais foi adotada como modelo econômico e virou fenômeno, visando poupar recursos naturais e financeiros. Com a redução expressiva do poder de compra, os consumidores passaram a buscar alternativas para reduzir custos no compartilhamento.
A tecnologia possibilitou a formação de amplas comunidades virtuais com objetivos específicos e aumentou – e muito – a escala do que era feito informalmente desde sempre.

A essência da Economia Compartilhada está nas transações do tipo P2P, de pessoa para pessoa, e no aproveitamento de recursos ociosos enfatizando o uso, e não a posse. Contudo, diversas empresas embarcaram nessa e se tornaram gigantes dos seus ramos, como as que citei no cotidiano imaginado (que é real para muita gente). A possibilidade de criar plataformas para servir como intermediador, de modo que as pessoas facilmente economizem tempo e dinheiro, foi a fórmula de sucesso para gerar gigantes do Vale do Silício: a AirBNB, por exemplo, começou como um startup e hoje vale US$ 30 bilhões – US$ 7 bilhões a mais que a maior rede de hotéis do mundo, a Hilton.

Uma empresa de economia compartilhada, e geral, segue os seguintes requisitos:

Promoção do acesso a bens subutilizados;
Consumidores beneficiados pelo acesso a bens e serviços;
Negócio construído em redes descentralizadas e marketplaces;
Estímulo a sensação de pertencimento, responsabilidade coletiva e benefício mútuo.

Por fim, para entendermos melhor que modelo é este, é importante notar que a economia compartilhada contempla três possíveis tipos de sistemas, conforme define a especialista Rachel Botsman:

  • Mercados de redistribuição: um item usado passa de um local onde ele não é mais necessário para onde ele é. Baseia-se no princípio do “reduza, reuse, recicle, repare e redistribua”. Ex: compra de itens usados.
  • Lifestyles colaborativos: baseia-se no compartilhamento de recursos, tais como dinheiro, habilidades e tempo.Ex: espaços de co-working, em que várias empresas coabitam a fim de dividir os gatos de administração e manutenção do espaço.
  • Sistemas de produtos e serviços: o consumidor paga pelo benefício do produto e não pelo produto em si.Ex: serviços de streaming, que fizeram a gente trocar CDs e DVDs por plataformas online de músicas e vídeos.

Tendência

A Economia Compartilhada deve movimentar mundialmente US$ 335 bilhões em 2025, de acordo com estimativas da PWC. Segundo o economista Ladislau Dowbor, no Brasil ainda há muito espaço para crescimento do fenômeno: somente 5% do potencial da economia compartilhada é explorado. O relatório produzido pelo Sebrae “Economia Compartilhada” também aposta no crescimento do movimento no Brasil: quase metade dos motoristas aceitariam compartilhar o uso do veículo (cerca de 470 milhões dos mais de 1 bilhão ao redor do globo) e 69% das pessoas aceitariam compartilhar objetos inutilizados em casa se pudessem lucrar com isso. Por fim, oito em cada dez pessoas no mundo afirmam que “compartilhar aumenta a felicidade”.

Já uma pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) revelou que 89% dos brasileiros que já experimentaram alguma modalidade de consumo colaborativo aprovaram o modelo –somente 2% dos participantes responderam que ficaram insatisfeitos. As modalidades de consumo colaborativo mais utilizadas foram as caronas (41%), aluguel de casas ou apartamentos para temporadas (38%) e aluguel ou compartilhamento de roupas (33%). Outras possibilidades citadas foram as bicicletas (21%), os financiamentos coletivos (16%), coworking (15%) e cohousing (15%). Para 1% das pessoas que responderam à pesquisa, o compartilhamento torna a vida mais fácil funcional e 71% afirmaram que possuir muitas coisas em casa mais atrapalha do que ajuda. Economizar tempo, ajudar outras pessoas, conhecer gente nova e viver de forma mais sustentável estão entre os motivos para optar pela economia compartilhada. A pesquisa ouviu 824 consumidores acima de 18 anos, de todas as classes sociais, gêneros e de todas as capitais brasileiras.

As possibilidades de surfar na onda da economia compartilhada são inúmeras: é possível compartilhar veículos, espaços, roupas, eletrodomésticos, crédito, hortas, alimentos, hospedagem, e etc. Basta um pouco de imaginação e vontade dos empreendedores para criar negócios colaborativos de alto impacto.

Sustentabilidade

A Economia Compartilhada também é uma boa notícia em um planeta com recursos naturais em vias de escassez – em 2050, serão necessários quase três planetas Terra para proporcionar os recursos naturais necessários a fim de manter o atual estilo de vida da humanidade segundo o Banco Mundial. O modelo estimula o consumo sustentável, ao favorecer transações que utilizam menos recursos naturais. Ao reduzir as necessidades de produção, a economia compartilhada tem um impacto decisivo na redução da emissão de gases do efeito estufa e uso de recursos naturais.

Além disso, o reaproveitamento e reciclagem também estão presentes na Economia Compartilhada, uma vez que há um estímulo a responsabilidade do indivíduo por cada escolha e eliminação do desperdício. Além disso, as empresas que atuam nesse mercado também precisam garantir um alto nível de qualidade para se manter competitivas – afinal, na era da economia compartilhada digital tudo é avaliado. E as pessoas estão de olho nisso: na pesquisa da pWc, 76% dos entrevistados confirmam que esse modelo econômico é muito melhor para o planeta. A economia compartilhada possui um potencial de grande impacto na proteção ambiental pois, diferentemente de ações isoladas, a economia compartilhada atinge toda a sociedade, mudando valores e comportamentos ao longo do tempo e com alguns outros bons incentivos, como o bolso e a facilidade.

Controvérsias

Obviamente, nem tudo são flores. Há desafios e críticas a serem superados antes que movimento decole de vez. Há quem advogue que a Economia Compartilhada seja mesmo mais um modo de o capitalismo se reinventar, precarizando o trabalho. A “uberização”, como chamam alguns, ou a “oficialização do bico”, prejudicariam ao final o prestador do serviço, uma vez que não há nenhuma garantia trabalhista. Em uma sociedade ensinada a temer estranhos, a confiança entre usuários também está entre os grandes desafios da economia compartilhada.

Mais da metade dos entrevistados (51%) na pesquisa do CNDL/SPC responderam que alta de confiança nas outras pessoas é o principal entrave para procurarem os serviços compartilhados. O medo de estranhos e a possibilidade de não cumprimento o acordo foram mencionados como motivos importantes para rejeitar contratos de colaboração. Para reduzir essa resistência, algumas empresas têm investido nesses vínculos para garantir que as pessoas confiem nas outras durante os processos de partilha.

“Compartilhar é o novo possuir”.

Os setores tradicionais do mercado – especialmente taxistas e hoteleiros – também reclamam. E, muitas vezes, com razão. As acusações vão desde falta de segurança para os usuários até concorrência desleal e sonegação de impostos. A expansão dos negócios compartilhados demanda políticas regulatórias para esse mercado que assegurem a igualdade na distribuição dos benefícios. Contudo, enquanto uns referem a resistência, outras empresas se adaptam e começam a explorar o terreno. A montadora alemã Mercedes-Benz, por exemplo, já oferece carros em um sistema similar ao usado em sites de compartilhamento, com preços abaixo do valor de aluguel. No site da companhia, o recado é claro, e não poderia estar mais alinhado com os novos tempos: “Compartilhar é o novo possuir”.

Por Sandra Turchi

Fonte: Sandra Turchi 

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